segunda-feira, 26 de julho de 2010




Das histórias que nós, humanos, criamos para explicar o Universo, a que eu mais gosto, com certeza, é aquela que diz que a existência é obra do acaso. Eu acho muito bonito imaginar que nada previa a existência daquela roseira orvalhada na manhãzinha ensolarada, e que assim, por obra de muitos e muitos anos de acontecimentos fortuitos, essa roseira esteja lá, em cores, perfumes e veludos. Parecida com aquelas histórias de amores que começam não se sabe de onde, com pessoas que jamais se veriam se não fosse o atraso do trem.

(Imagem: Rosa Meditativa, Salvador Dalí)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Criacionismo

Somos mesmo, os dois, desses deuses
De antes daquele deus do Verbo.
Não nos sabemos deus ou deusa,
Gente ou vento, Sol ou Lua.

Somos indistintos,
Em tudo (e no todo) nos confundimos.
Não existimos no tempo.
No caos, trocamos as mãos, os olhos...

E quando você me toca, cria o arrepio;
Quando eu te toco, crio o afago.

Quando você me olha, cria a calma,
E quando eu te olho, crio o fogo.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Outroragora

Amar você é sentir cheiros de tempos antigos
Com circos mambembes e marionetes
Cavalos e saias e rendas, mas também
Povoados de vampiros e lobisomens

Tempos de homens de honra, mas não
Você não

Você é dos piratas malvados, dos ciganos traiçoeiros
Dos vendedores de elixires fajutos

E é nesses homens perdidos que eu me ancoro
Soldados de suas necessidades
Presas do momento

Que se agarram como podem
Em um mundo que se esfacela
E morrerá
Com a chegada da luz elétrica

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sol-Plutão, Urano-Saturno

Olha, eu preciso te falar... Os dias estão confusos, eu não consigo ordenar os pensamentos, e isso me dá vontade de não pensar, e a certeza de que o melhor é não pensar mesmo. Rotinas, rituais, procedimentos: o personagem está me matando. Tudo o que eu quero é desintegração, mas não falo de morte, não se assuste, eu quero é parar de morrer nessa pose de fortaleza. Eu quero aquele conforto de não precisar defender coisa nenhuma, de não precisar provar nada, você me entende? Quero que tanto me faça se eu pintar ou não os olhos, coisas assim. Você me entende?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sala de espera


Estávamos nós dois na sala de espera, como se nunca houvéssemos... mas ai, dói demais falar. Estávamos os dois, eu enfiada num livro, você andando pela sala – como sempre, eu fugia para dentro e você, para fora. Estávamos os dois, e eu já nem sabia por onde meu coração andava, o seu, de um lado para outro na sala. Os dois, com fria polidez, sem nostalgia. Como se nunca houvéssemos... mas ai!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Feliz Dia da Toalha!



"A toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar. Em parte devido a seu valor prático: você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode deitar-se sobre ela nas reluzentes praias de areia marmórea de Santragino V, respirando os inebriantes vapores marítimos; você pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kakrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada as águas lentas e pesadas do rio Moth; pode umedecê-la e utilizá-la para lutar em um combate corpo a corpo; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz de Traal (animal estonteantemente burro, que acha que, se você não pode vê-lo, ele também não pode ver você - estúpido feito uma anta, mas muito, muito voraz); você pode agitar a toalha em situações de emergência para pedir socorro; e naturalmente pode usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoalvemente limpa."

(Douglas Adams, "O Guia do Mochileiro das Galáxias")

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Desiderato

Éramos velhos agora, menino,
E a lavanda da colônia escondia
O cheiro da pele antiga.

De mãos dadas, presenciávamos
O colapso do mundo que conhecíamos
Mas não era um grande susto:
Não era o primeiro mundo que víamos cair.

No mais, ainda havia pão e manteiga
E leite e café,
Coisas poucas, algumas outras
Que nos seguravam de pé
Num presente compreensível para nós.

Outras línguas invadiam o cinema,
O rádio, a TV e aquele aparelho estranho.

Quem sobrou em nós?
Tantas aventuras na vida longa, e agora
(como prevíamos),
Madura solidão.

Mas vivemos o suficiente para saber
Que nunca estivemos realmente sós.

Então vamos, pelo jardim, de mãos dadas
Em passos lentos, pois a lentidão
É o prazer que reservam a nós, os velhos.

Sem pressa, pois a volta já ocorreu:
Já não tememos a morte.

Por isso mesmo, no entanto,
Podemos avistá-la no portão da frente,
E isso nos deixa tristes, é natural.

Não sabemos quem segue na frente,
Nem sabemos se há jornada à frente.

Mas ah, menino, o gosto maduro,
O doce é esse: a gente olha;
A gente nem vê, mas adivinha
O desenho dos nossos passos na trilha.

E ele brilha
Como as estrelas que já morreram.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A mulher do poeta

Era sem graça a mulher do poeta – como não podia deixar de ser. Musas pertencem à noite, às janelas. Mulheres-esposas são feitas de outra matéria: matéria tranqüila, parideira, com cheiro de amaciante de roupa.


Ela sabia disso tudo, e não lhe doía muito. Sabia que nenhuma canção dele era sua, mas poeta era assim, não é mesmo? Muitas vezes ela estava, e ele, não. O olhar perdido de dia, a chave discreta na porta às quatro da manhã, os dedos sujos de tinta. Amá-lo era amar isso. Depois, ele voltava. No meio tempo, ela cozinhava, cuidava das roupas, criava filhos, cerzia meias. Passava anos.


Não se sentia especialmente entediada – tinha um pouco de sono, só, no dia em que aconteceu. Derek era o nome dele, pode? Nome esquisito. O cabelo era um ninho de mafagafos, no alto de uma árvore muito alta.


Não sabia a mulher o que dera nela. Algo rodava no peito, subia pela garganta, saía quente pelas narinas. Subia uma vontade imensa de fazer bordados.


Desse dia, as mãos se prenderam em trabalho atrás de trabalho. Saíam pavões, elefantes, girafas. Flores, maçãs e abacaxis. Cenários em tapeçarias, barras em saias. As vizinhas compravam, os olhos brilhavam, era uma festa! Os filhos brincavam na rua todo tempo, algum pó se acumulava na cristaleira. Linha não tinha suficiente pra tanta agulha e buraco de tela.


Do seu lado do sofá, o poeta enxergava os fiapos coloridos pelo tapete. Também via todo o resto, os modos ciganos do coração da esposa, em angústia contida pelos desenhos de cores fortes.


É claro que ele entendeu o que se passava – é disso que tratam os poetas, afinal. Danou-se de raiva, não sabia o que fazer: revirou roupas, revistas, cadernos de receitas; pôs vigias na noite e no dia da mulher. Mas ela não saía de casa, não olhava a janela. Toda conversa dela era com agulhas.


Enlouquecido, besta, chegou à mulher e disse que bastava de bordados. Quando ela perguntou por que, ouviu o argumento inescusável: se você me ama, pare.


Passou mal a noite toda, banhada em suor e com o estômago enjoado. Virava pra lá e pra cá na cama. Foi só bem perto das seis da manhã que soube o que fazer. Assim, tomou banho, pôs-se bela e saiu pela cidade. Encontrou o moço de nome estranho jogando sabe lá o que, nem se lembra onde. Ele pareceu adivinhá-la e muito pouco foi dito do começo ao fim, do beijo ao adeus.


Estava calma novamente. Não precisava mais de bordados. Podia criar filhos, ser uma mulher de poeta. Mas, em nome da paz que reconquistara, protegia da vista do marido seus olhos de melancolia cotidianos.

A dor. E a rotina.

Serão todas as pessoas que lidam com a dor diariamente? Tendo a acreditar que sim, embora talvez em maior ou menor grau. Fato é que tenho lidado com a dor, em grau muito desconfortável, em cotidiano mais ou menos literal, há cerca de dois anos.

Quase sempre me dói a cabeça. Já passei por crises piores do que as dos dias atuais, e consegui atenuá-las devido à percepção de que alguns remédios funcionam melhor que outros; que tomá-los mais cedo evita que a dor escale muito alto; que controlar a tensão cervical, fazendo relaxamentos/ alongamentos, contribui para reduzir a dor, ou até evitar uma crise, eventualmente. Mas ela ainda é uma presença, ainda tenho que gastar um tanto de tempo e energia para lidar com ela.

Sofro com dores de cabeça desde muito nova. Lembro claramente de uma crise assustadora aos sete anos de idade. Deixei desesperadas minha bisavó e a irmã dela, que cuidavam de mim naquele dia. Graças a esse episódio, não suporto até hoje o cheiro de batatas cruas, pois elas tentaram amenizar a dor colocando algumas destas na minha cabeça.

Mas lidar com a minha dor, por mais sofrido que seja, ainda é mais fácil do que lidar com a dor da minha filha. Desde o começo do ano, ela vem se queixando de dores de cabeça. As tais dores, bastante seletivas, atacam durante as aulas, ou nos horários de atividades extracurriculares.

Embora seja possível pensar que essas dores são psicossomáticas, eu, que passei por crises horríveis na idade dela, não consigo duvidar que ela realmente as sinta, por mais que eventualmente elas sejam atenuadas por uma conversa com a Coordenadora Pedagógica da escola, por exemplo. Por sinal, a escola, ciosa de seus alunos, chamou a mim e ao pai dela para uma conversa, seguras de que nada havia de físico que ocasionasse as dores, e sugerindo acompanhamento psicológico - solução que nós acatamos.

Ontem, falei com ela depois da aula, ao telefone. Ela estava muito chateada, porque teve dor de cabeça pela manhã e alguém lhe disse que ela não devia procurar a enfermaria por "qualquer besteira". Depois, me ligou se queixando novamente de dor de cabeça, ao que eu orientei que ela tomasse remédio. Ela reteve o remédio na boca e, sem conseguir engolir, cuspiu na pia.

Quando a encontrei, mais tarde, ela disse que estava convencida de que as dores eram coisas da cabeça dela. Respondi que era evidente, já que a dor era na cabeça. Mas ponderei que a gente não sabia bem a causa das dores, e que ela deveria aprender a se observar nessas situações, já que o diagnóstico da causa das dores de cabeça não é fácil. Que, quando percebesse que estava com dor de cabeça e tensa por algum motivo, deveria tentar relaxar, para ver se a dor passava. Mas que se, depois disso, ainda tivesse dor, deveria tomar o remédio, que é a única solução que a gente conhece para o caso.

Estava segura do que falava até hoje pela manhã, quando me lembrei de buscar no carro um saco de remédios que tinha trazido para o trabalho e esquecido. Comprimidos de Dorflex, Neosaldina, Eparema, meu arsenal básico. Os comprimidos que me possibilitam continuar trabalhando, mesmo quando meu organismo berra na minha orelha que algo não vai bem e eu preciso parar.

Me lembrei do livro "Cuidado, Escola!", que li nas minhas aulas de Pedagogia, parte da licenciatura na faculdade. O livro advoga que o que a escola nos quer ensinar é a disciplina do trabalho: controlar os impulsos orgânicos (hora de ir no banheiro, beber água, fome), fazer silêncio, obedecer... E pensei na atenciosa Coordenadora, e na Psicóloga da escola, preocupadas com as ausências da minha filha na sala de aula. E pensei em como eu, preocupada com a indisciplina do corpo dela (inconscientemente, claro), ratifiquei a postura da escola ao orientá-la a engolir o remédio.

Vivendo segura na prisão do Panopticon... Querendo evitar outra dor para minha filha, a do marginal.

Quão cedo nós somos acostumados a essas coisas...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Introduzindo. Ui.

Gosto de pensar nas palavras como poemas fósseis. Gosto de pensar na história das palavras. Porque gosto de pensar que elas mudarão. O significado das palavras mudará. Algumas desaparecerão...

Gosto do processo de atribuir significado, de virá-lo, mudá-lo de lugar. Gosto da plasticidade das palavras. Gosto de ver como são diferentes quando pronunciadas por pessoas diferentes...

É por gostar de palavras, e de significados, e de brincar com palavras e significados, que começo esse blog.

Mas não só por isso.

Também porque às vezes me bate uma vontade incontrolável de falar de Monty Python, e eu não tenho quem me ouça (ou falar de qualquer outra coisa. No supermercado virtual, ouvidos estão sempre disponíveis. Ave Google.) Porque às vezes gosto de falar sozinha. E porque 140 caracteres costumam não dar conta das minhas divagações.

E vamos.