quarta-feira, 12 de maio de 2010

A dor. E a rotina.

Serão todas as pessoas que lidam com a dor diariamente? Tendo a acreditar que sim, embora talvez em maior ou menor grau. Fato é que tenho lidado com a dor, em grau muito desconfortável, em cotidiano mais ou menos literal, há cerca de dois anos.

Quase sempre me dói a cabeça. Já passei por crises piores do que as dos dias atuais, e consegui atenuá-las devido à percepção de que alguns remédios funcionam melhor que outros; que tomá-los mais cedo evita que a dor escale muito alto; que controlar a tensão cervical, fazendo relaxamentos/ alongamentos, contribui para reduzir a dor, ou até evitar uma crise, eventualmente. Mas ela ainda é uma presença, ainda tenho que gastar um tanto de tempo e energia para lidar com ela.

Sofro com dores de cabeça desde muito nova. Lembro claramente de uma crise assustadora aos sete anos de idade. Deixei desesperadas minha bisavó e a irmã dela, que cuidavam de mim naquele dia. Graças a esse episódio, não suporto até hoje o cheiro de batatas cruas, pois elas tentaram amenizar a dor colocando algumas destas na minha cabeça.

Mas lidar com a minha dor, por mais sofrido que seja, ainda é mais fácil do que lidar com a dor da minha filha. Desde o começo do ano, ela vem se queixando de dores de cabeça. As tais dores, bastante seletivas, atacam durante as aulas, ou nos horários de atividades extracurriculares.

Embora seja possível pensar que essas dores são psicossomáticas, eu, que passei por crises horríveis na idade dela, não consigo duvidar que ela realmente as sinta, por mais que eventualmente elas sejam atenuadas por uma conversa com a Coordenadora Pedagógica da escola, por exemplo. Por sinal, a escola, ciosa de seus alunos, chamou a mim e ao pai dela para uma conversa, seguras de que nada havia de físico que ocasionasse as dores, e sugerindo acompanhamento psicológico - solução que nós acatamos.

Ontem, falei com ela depois da aula, ao telefone. Ela estava muito chateada, porque teve dor de cabeça pela manhã e alguém lhe disse que ela não devia procurar a enfermaria por "qualquer besteira". Depois, me ligou se queixando novamente de dor de cabeça, ao que eu orientei que ela tomasse remédio. Ela reteve o remédio na boca e, sem conseguir engolir, cuspiu na pia.

Quando a encontrei, mais tarde, ela disse que estava convencida de que as dores eram coisas da cabeça dela. Respondi que era evidente, já que a dor era na cabeça. Mas ponderei que a gente não sabia bem a causa das dores, e que ela deveria aprender a se observar nessas situações, já que o diagnóstico da causa das dores de cabeça não é fácil. Que, quando percebesse que estava com dor de cabeça e tensa por algum motivo, deveria tentar relaxar, para ver se a dor passava. Mas que se, depois disso, ainda tivesse dor, deveria tomar o remédio, que é a única solução que a gente conhece para o caso.

Estava segura do que falava até hoje pela manhã, quando me lembrei de buscar no carro um saco de remédios que tinha trazido para o trabalho e esquecido. Comprimidos de Dorflex, Neosaldina, Eparema, meu arsenal básico. Os comprimidos que me possibilitam continuar trabalhando, mesmo quando meu organismo berra na minha orelha que algo não vai bem e eu preciso parar.

Me lembrei do livro "Cuidado, Escola!", que li nas minhas aulas de Pedagogia, parte da licenciatura na faculdade. O livro advoga que o que a escola nos quer ensinar é a disciplina do trabalho: controlar os impulsos orgânicos (hora de ir no banheiro, beber água, fome), fazer silêncio, obedecer... E pensei na atenciosa Coordenadora, e na Psicóloga da escola, preocupadas com as ausências da minha filha na sala de aula. E pensei em como eu, preocupada com a indisciplina do corpo dela (inconscientemente, claro), ratifiquei a postura da escola ao orientá-la a engolir o remédio.

Vivendo segura na prisão do Panopticon... Querendo evitar outra dor para minha filha, a do marginal.

Quão cedo nós somos acostumados a essas coisas...

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