sexta-feira, 21 de maio de 2010

Desiderato

Éramos velhos agora, menino,
E a lavanda da colônia escondia
O cheiro da pele antiga.

De mãos dadas, presenciávamos
O colapso do mundo que conhecíamos
Mas não era um grande susto:
Não era o primeiro mundo que víamos cair.

No mais, ainda havia pão e manteiga
E leite e café,
Coisas poucas, algumas outras
Que nos seguravam de pé
Num presente compreensível para nós.

Outras línguas invadiam o cinema,
O rádio, a TV e aquele aparelho estranho.

Quem sobrou em nós?
Tantas aventuras na vida longa, e agora
(como prevíamos),
Madura solidão.

Mas vivemos o suficiente para saber
Que nunca estivemos realmente sós.

Então vamos, pelo jardim, de mãos dadas
Em passos lentos, pois a lentidão
É o prazer que reservam a nós, os velhos.

Sem pressa, pois a volta já ocorreu:
Já não tememos a morte.

Por isso mesmo, no entanto,
Podemos avistá-la no portão da frente,
E isso nos deixa tristes, é natural.

Não sabemos quem segue na frente,
Nem sabemos se há jornada à frente.

Mas ah, menino, o gosto maduro,
O doce é esse: a gente olha;
A gente nem vê, mas adivinha
O desenho dos nossos passos na trilha.

E ele brilha
Como as estrelas que já morreram.

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